terça-feira, 26 de outubro de 2010

Um tal de Zé

UM TAL DE ZÉ







“Manhã parece carece de esperar também, para o bem de quem tem bem, de quem não tem vintém...”
Chico Buarque de Hollanda

Para aqueles que já não esperam.








Meu pai era um tal de Zé. Desses Zé Severino, de vida Severina que nos legou o João Cabral.

José.

Ficou velho. Odiou tanto essa condição, se “arrependeu” de ficar velho, dizia, que preferiu morrer. Abandonou os compromissos sociais “agora que sou velho não tenho obrigação de nada, posso tudo, eu faço o que eu quero”; despiu máscaras, despiu terno, despiu casca. A velhice desnudou dignidade, desnudou condição humana. Só não conseguiu tirar-lhe essência: a vida que teve, reproduzida nas vidas que fez, biogenéticas ou não.

O que significa envelhecer? É só o que consta do dicionário? Ou a palavra carrega consigo a degeneração das células? Envelhecer é sinônimo de perder: força, ânimo, coragem, virilidade, reprodução, beleza, energia, satisfação, sono. Perder amigos das espécies humanas, animais, vegetais e animais. Mas também sinônimo de ganhos: diplomas, experiências, sabedoria, agilidade, controle, perspicácia, humores, amores, ganhar amigos das espécies humanas, animais, vegetais e minerais. Ser velho, me parece, é ter direito a lembranças sem perder a chance de conhecer coisas novas e, além disso, poder compará-las. A possibilidade de criar continua, mas talvez seja necessária uma adaptação às transformações. “Eu já estou com um pé nessa estrada, qualquer dia a gente se vê, sei que nada será como antes amanhã...” canta Milton Nascimento.

José ele se chamava. Fotógrafo. Sua máquina era seu terceiro olho, aquele que nos desvenda o mundo. Apreciava tudo com muito cuidado, meticulosamente. Esperava a luz apropriada, preocupava-se até mesmo com a direção do vento. Outro Zé, desta vez o “seu” Zé Barbeiro, homem simples, que entendia muito bem do seu métier de fazer barbas e cabelos, e só, estranhava o procedimento de procura de perfeição de seu homônimo: “dona Ruth, acho que o ‘seu’ Zizinho ‘tá ficando maluco. Ele ‘tá ali agachado no meio do mato, tirando retrato de pito-de-saci!”. Foi Caetano Veloso talvez, em uma de suas canções, quem disse: de perto ninguém é normal. Quem estabeleceu o conceito de normalidade? O instrumento de trabalho de José era o olhar, a máquina extensão. Ele piscava – a máquina piscava também, e produzia uma obra de arte. Que diafragma, que foco, que nada! eram retina e pupila, isso sim!

Enquadrou a luz, enquadrou a sombra.

A tecnologia calçou as botas de 7 léguas e passou por cima de nossas cabeças, pensava José. O mundo da produção captação transmissão processamento armazenagem das imagens aperfeiçoa-se, permite uma construção tão perfeita que é difícil dizer se o que vemos é real ou uma reconstrução. Máquinas diferentes... “que história é essa de só apertar um botãozinho?” espantava-se José. Ele não admitia as simplificações, porém sua escolha não impedia os passos da tecnologia. Aos poucos foi sendo dispensado de suas funções, já não mais ensinava a ver. E cegou.

O que se faz no mundo quando o mundo não precisa mais de nós? Emmanuel Kant dizia “que não vemos a realidade como ela é, mas como nós somos”. (OKAMOTO, Jun) Como é que encontramos o mundo quando aqui chegamos? E de que forma acompanhamos o que vai acontecendo?

1921 foi quando nasceu meu pai. No Vale das Cidades Mortas de Monteiro Lobato. No vale do rio que se chama Paraíba, rio que sai do Estado de São Paulo e chega ao Rio de Janeiro, acompanhando o viajante, volteando, ondeando, ilhando, cantando. Encantando o sol. Mas gritando de dor, pois está doente.

Meu pai e o rio. Entre rio e homem justapostos se estabeleceram afinidades, intimidades e conflitos que se efetivaram numa interação de profundos efeitos.

Para Pardé “o rio é uma individualidade geofísica, viva e agente, as grandes vias chegam a ter caráter, muitas vezes tão cheio de complexidades como o ser humano, nas suas idades de infância, adolescência, maturidade e decrepitude”.(PARDE, Maurice) Antes de cegar, meu pai enxergava as feridas do rio, fotografava homens que o sangraram. Como não podia lutar contra Deus e Seus mandamentos, contra o câncer que lhe comia a carne, contra o Alzheimer que lhe carcomia o cérebro e também a alma, então dedicava-se a fotografar a miséria exposta do seu amigo rio. Viu o que matava o seu companheiro de desventuras no entanto esse homem não tinha mais tempo. O rio claro de sua infância sofria tanto quanto ele, chorava tanto quanto ele, mas o elefante que vive 100 anos não pode pedir à borboleta meia hora de espera, disse Domenico de Masi, autor da teoria do ócio criativo, em reportagem a Veja (agosto/2002). Era preciso que José fosse forte, que juntasse gente ao seu redor, que mostrasse a essa gente essas radiografias avermelhadas, para que assim esse rio tivesse uma chance. “Consolidar os preceitos da cidadania na comunidade pode levar ao engajamento consciente dos cidadãos nos movimentos de interesse coletivo”. (DE MORAIS, José Luiz) A proteção do ambiente requer o esforço consciente dos indivíduos que vivem e trabalham no meio.

Ah! Mas José estava morrendo...

estava tão exangue, sentia-se tão inútil, não podia fazer mais nada.

Oras, mas o rio também tinha que tomar uma atitude! Tinha que ser fiel àquele que já não podia estar ao seu lado. Mas esse rio também envelhecia. E os finais de tarde eram cada vez mais purpúreos, manchando os olhos. Estavam os dois agonizando.

PARA QUE SERVE UM RIO?

“O rio vem de longe e ninguém sabe aonde vai. Dizem, é verdade, que tem um começo e nasce lá no alto, nas montanhas, mas isso não é bem certo. Que é uma nascente? Quando se vê um rio, ele já é rio, e ninguém pode compreender que tenha sido um fio de água, a porejar da rocha. Outrora, quando o mundo vivia feliz, tudo era diferente. Os rios corriam de ânforas de mármore, que mulheres sempre jovens mantinham inclinadas. Mas o rigoroso deus dos cristãos que não ama a beleza das mulheres moças, quebrou essas ânforas de mármore. As mães-da-água morreram de dor e os rios nascem agora ao acaso, como podem”.

Esta descrição é citada no livro História do Rio Tietê, de Mello Nóbrega, 2a. ed., São Paulo, Governo do Estado de São Paulo, 1978. Descrição feita por Rémy Gourmont que a inscreveu em Promenades Philosophiques. Este passeio filosófico de Rémy Gourmont nos faz entender o amor de José pelo rio, então continuemos:

“Se não conhecemos bem seu nascimento, sabemos como vivem e morrem. Sua vida é saltar ou correr, despreocupados; repousar sobre as pedras ou sonhar entre os caniços. Muitas vezes, quando atravessam os prados floridos, gostam de espalhar-se nas ervas. Se diques ou troncos de árvore lhes barram importunamente o caminho, os rios ficam aborrecidos e, mesmo, raivosos. Mas se é um moinho que se eleva em sua passagem, movem-lhe as rodas com amável solicitude e continuam a viagem, sem alarde. O rio é o pai dos homens e das árvores, dos animais e das plantas. Sem eles não há peixes; nem aves também. Não há colheitas, nem flores, nem vinho, nem bois, e o homem foge, queimado pelo sol. Depois de ter dado vida, o rio tem duas maneiras de morrer: espalha-se no seio de outro rio, mais volumoso, ou vai diretamente perder-se no mar, que é o grande cemitério de todos os rios, pequenos e grandes. Mas o rio que morre é, ainda assim, eterno, como o oceano que o recebe em seus abismos. As nuvens nascem do mar e o vento as empurra para as florestas onde se fazem chuva, que enche os rios. Há no mundo uma circulação de água, como, em nosso corpo, a do sangue. Tudo isso é muito bem regulado. O oceano ama o rio. Vem a seu encontro e envia-lhe, como saudação, a salsugem das ondas. Resiste muito. Enfim as águas doces entregam-se e fundem-se, aos beijos poderosos das águas salgadas: as vagas embalam a realização das núpcias. O rio é uma pessoa. Tem nome. Este nome é muito velho, porque o rio, ainda que sempre moço, é muito antigo. Existia antes dos homens e antes das aves. Desde que os homens nasceram, amaram os rios e tão logo souberam falar, lhes deram nomes.

“Para que serve um rio?”, repete o eco das águas o apelo lançado.
O olhar que José tinha para seu rio era muito afetuoso. Quando criança ele não se incomodava muito com a palavra preservação. Fazia o que devia fazer porque era assim que era. Educação ambiental não se ensinava nas escolas porque o lixo era para ser jogado no lixo, qualquer outra atitude estava fora de cogitação. Mas o tempo passou e o Homem desaprendeu, ele achava. Ou foi a população que triplicou e as lixeiras não eram mais suficientes?


Agora “o aperfeiçoamento das técnicas de reprodução da imagem caminha junto com o desenvolvimento de técnicas de produção de imagem sem a preexistência de um referente real; é o caso da infografia ou computação gráfica, que permite, por meio de um código alfanumérico, criar uma imagem. Este tipo de imagem, que é uma imagem em devir, na qual se pode intervir, permitiu o desenvolvimento da realidade virtual (...)” (BARRETO, Margarita), pode-se criar novos rios. E até mesmo interagir-se com. Rios sem maus odores, navegáveis, cuja beleza é manipulável. O único problema é que no rio virtual você não pode molhar seus pés, José. Nem lavar suas feridas. Mas no rio real você também não poderia, não hoje. Ele tem um cheiro estranho.


No século XVIII, por volta de 1780, “havia muitas discussões entre os filósofos, porque alguns diziam que as viagens não educavam, só traziam vícios”. O rio transporta gente demais, para uma extensão longa demais, é melhor não propagar males. “Os defensores das viagens entendiam que as escolas jamais conseguiriam o mesmo resultado pedagógico permitido pela observação direta dos usos e costumes, da política, do governo, da religião, da arte de outras nações. Eles entendiam que os jovens voltariam enriquecidos (...)”. (BARRETO, Margarita) Quem está interessado que os jovens fiquem enriquecidos? Esses jovens podem querer exercer cargos políticos...

Água de beber, água de passear – de ir e de vir -, água de se banhar – de brincar, de jogar, de gazetear-. A que alimenta ou mata o homem, assim como o homem que alimenta ou mata a água. Água que dá bicho, que transporta dengue, é do bem e do mal. A água boa, a de transportar – de trazer e de levar -, traz empregos, negócios, produtividade, soluções.

Em Cachoeira Paulista, a terrinha do José, o povo pede indústrias para que haja um desenvolvimento da cidade - que estancou depois que a Estrada de Ferro a abandonou. A estação tombando pela Condephaat em 1982, arruinada. Só sobraram os escombros e não existe mais nada para preservar. A idéia primeira era fazer dela um centro cultural, com restaurantes e artesanato local; as canoas e as redes feitas pelos pescadores seriam usadas na decoração. Peixes? Já não há. “A extinção de algumas espécies não constitui uma preocupação só pelo fato de se perder aquela espécie. Os ecossistemas funcionam e têm vitalidade através de uma cadeia de interações. Cada vez mais se tem conhecimento de que a eliminação de uma única espécie, tanto pode ser um animal carnívoro, como um inseto ou pássaro polinizador, ou um herbívoro, como uma planta alimento, pode alterar de um modo profundo e imprevisível o equilíbrio de um ecossistema e, com isso, ameaçar a sobrevivência de inúmeras outras espécies”. (ERICSON, Jon) As indústrias que esse povo pede revitalizariam essas águas? Essa estação? Essa gente?

Os seres humanos são os maiores poluidores do mundo. Desde o início da era industrial as pessoas rivalizam com a natureza na quantidade de produtos químicos tóxicos e material particulado jogados na atmosfera. Hábitos devem ser mudados. Desejos e padrões de vida precisam ser ajustados, embora o ajuste possa ser eventualmente considerado como mais desejável. As atitudes já mudaram muito, pois “em 1800 a água pura era encarada como uma mercadoria desejável, mas ainda dispensável”. (SEWWLL, Granville Hardwick)

‘A água pura... é a melhor bebida para pessoas de todas a s idades e temperamentos. Por sua fluidez e suavidade, ela promove uma circulação livre e equilibrada do sangue e dos humores por todos os vasos do corpo, dos quais depende o funcionamento perfeito de todo animal, e por isso os bebedores de água não estão apenas entre os mais ativos e vivos, mas também entre as mais alegres e dispostas de todas as pessoas... Mas, para as constituições delicadas e gélidas e para pessoas desacostumadas com ela, a água sem vinho é uma bebida bastante imprópria’’.

Nos Estados Unidos, por volta do “ano de 1900, um abastecimento público de água pura era considerado necessidade e direito. Similarmente, o fluxo de esgotos nas ruas era considerado normal em 1800 e mesmo em 1850. Em 1900, essas condições tornaram-se intoleráveis. Começou-se a instalar banheiros nas casas por volta de 1830. Antes disso, uma privada numa casa era considerada uma idéia vulgar, suja; e uma banheira fixa era um gasto insensato de espaço. Todavia as mudanças de atitude numa área geraram mudanças em outras. Resultados inesperados, mas felizes, ativaram a procura de melhoramentos ainda mais drásticos”.

Transição de valores e a maneira de encarar as prioridades da vida, são o que conta em “nossas atitudes para com o homem que suja o ambiente natural. Nossos netos poderão encarar nossa atual desconsideração destrutiva para com a qualidade da água com a mesma estupefação com que contemplamos a tolerância aparentemente primitiva e bitolada dos nossos antepassados”. (WHITE, F. Gilbert) No Brasil aprendemos com os índios a tomar banho todos os dias, mas não aprendemos a valorizar a água dos rios. Não é exatamente comparável o nosso caso com o exemplo que demos acima, que ocorreu nos EUA, mas seguramente a atitude muda a situação. Atitude do homem. E podemos começar com atos específicos, tal como jogar papel em latas de lixo ao invés de jogá-lo no chão, não querer poupar uma energia pessoal de ir até à lata de lixo, nem ficar irritado porque as latas de lixo não existem e que é necessária muita paciência até nos depararmos com uma.

COMO CONSEGUIR ESSA PARTICIPAÇÃO PÚBLICA?

“Nenhuma técnica especial alcançará uma comunidade inteira, a menos que seja incomumente coesa; mas, pela identificação judiciosa das redes de comunicação, uma campanha cuidadosamente planejada pode alcançar a maior parte das pessoas politicamente ativa”. (SEWELL, Granville Hardwick)
Mesmo se formos bons para o rio, às vezes ele pode ficar colérico. Ele enche, incha, transborda, atravessa seus limites e invade. Depois se arrepende, se acalma, volta, esvazia. Como se nada tivesse acontecido. Nem vê o que deixou para trás. Destroços não lhe dizem nada, somente coisas no caminho. Mas, atentos aos humores do rio, poderemos ter menos destroços da próxima vez. Limpeza é a palavra-chave para que nosso planeta possa continuar progredindo com qualidade.

“Até o final da década de 70, a questão ambiental era vista como um obstáculo para o desenvolvimento econômico. A ausência de política ambiental no país que normatizasse a ordenação racional do território era um trunfo na tomada de posição do Brasil perante a geopolítica internacional. Eximir-se da preocupação com a preservação do meio significa maior poder de negociação na ordem econômica mundial. No entanto, na década de 80, esse tipo de atitude não foi bem vista internacionalmente, haja visto as acusações de transgressão contra a Mata Atlântica e a Floresta Amazônica”. (RODRIGUES, Adyr Balastreri)

O rio Paraíba como meio de transporte de São Paulo ao Rio de Janeiro. Um desafio. A indústria das auto-estradas está solidificada há muito tempo: empresas de manutenção das estradas, fábrica de caminhões, postos de gasolina, pedágios, borracheiros. Seriam necessários reajustes, períodos de adaptação. Seria possível recolocar todo esse pessoal? Haveria muito trabalho em um primeiro momento já que não temos os meios de transporte necessários, pois eles não são usados, então o que? Primeiramente teria que ser ativada a indústria marinha. O que seria dispendioso e lento, mas que iria se pagando no decorrer dos anos. E essa gente toda poderia aos poucos se preparar para entrar nesse outro mercado de trabalho.

Em algumas situações o barco é mais perigoso que o carro. Em caso de acidente na auto-estrada, à vezes, o motorista pode sair ileso. O rio, caudaloso, profundo, traidor, engole suas vítimas, traga-as para o fundo e não as devolve facilmente. No entanto, acidentes de barco são menos freqüentes, a alta velocidade não é um perigo, passageiros no banco de trás ou da frente? Tanto faz... Não precisa de manutenção, pois não se desgasta com o tempo, não haverá buracos. É menos poluidor, mas ainda somos todos seres humanos, ou seja: somos os maiores poluidores da natureza. Educação ambiental. Educação do homem.

José era professor. Educador. Falava alto, dogmático, dono da verdade. E brigava por isso. Ai! daquele que jogasse lixo no seu amigo rio! Não usava a palavra preservação porque rótulos não combinavam com ele; não queria saber de ecologismos, meioambientalismos. Muito falatório e pouca mão na massa não adiantam nada. A casa está ruindo, todos estão vendo e quem é que pode fazer alguma coisa? Os predadores estão no seu cérebro e no do rio, é preciso agir. “Eu não mudo nada no mundo, que minha presença ou ausência não faz diferença” diria José, “saio eu, daqui a pouco tem outro no meu lugar. Mas o rio morre e morre tudo em volta. Seca, esturrica, apodrece, cheira mal, faz adoecer e o círculo se fecha e então fica mais difícil de resolver. Quem é que pode ouvir este meu grito?”

Meu pai sempre recorria à sabedoria do que tinha lido. Quando se pedia provas de algum argumento, dava referências completas: “revista Banas Qualidade, gestão processos e meio ambiente, de julho de 2002 (págs 67 a 69)”. Exagero, sim, ele não seria tão preciso; mas acredito que comentaria a matéria sobre uma norma estabelecendo o sistema de gestão ambiental da organização, que se chama ISO 14000. Abriria a discussão sobre a escassez dos recursos naturais, discorreria sobre os desequilíbrios ambientais e os sérios problemas no futuro que deles decorreriam. Referindo-se à ISO 14000, fecharia o espaço do debate concluindo que podia não ser uma solução final para este problema, mas, ao criar um sistema de controle do manejo ambiental, poderíamos saber o que a organização fazia para minimizar os efeitos nocivos ao ambiente causados pelas suas atividades.

É. Acredito que ele teria gostado de falar disso. E para finalizar tocaria uma modinha no seu violão, naquele jeito seresteiro e boêmio. Envelhecer tem certas vantagens, as pessoas mudam de opinião sobre o que é certo e o que é errado. Já não tem mais importância alguma ser seresteiro. Melhor dizendo: é até mesmo valorizado. Mas com relação ao nosso rio, bem que seria muito bom se as pessoas mudassem de opinião quanto ao seu valor, não? Mesmo a igreja católica que prega o respeito humano, é a primeira a desprestigiá-lo. Estamos nos referindo mais especificamente à Canção Nova, vertente carismática, que tem sua sede em Cachoeira Paulista. Ela fez da represa da cidade, que era um lugar de lazer dos mais pobres e desvalidos, e estes tinham de seu somente o sol e a natureza, fez, sim senhor! um esgoto a céu aberto. Já não se pode mais ir passear à beira do rio. Já não se pode mais ir passear no Cachoeirão, um lugar lindo, muito bom de se ficar. É propriedade da igreja agora. Os rios têm dono, ora vejam só! Em 1854, o presidente dos Estados Unidos fez a uma tribo indígena a proposta de comprar grande parte de suas terras, oferecendo, em contrapartida, a concessão de uma outra reserva. A carta-resposta do chefe Seatle, distribuída pela ONU (Programa para o Meio Ambiente), tem sido considerada, através dos tempos, como um dos mais belos e profundos pronunciamentos já feitos em defesa da natureza.

“Como é que se pode comprar ou vender o céu, o calor da terra? Essa idéia nos parece estranha. Se não possuímos o frescor do ar e o brilho da água, como é possível comprá-los?” (LEITE, Ricardo, /et al/)

Ou seja: se as águas têm donos, peçamos aos donos da água de transformá-las de novo em água de beber, em água de trazer e de levar, em água de se banhar.

José não desistiu, não. Ele agora está morando na história de Guimarães Rosa, à terceira margem do rio. E só sai de lá depois que seu amigo rio parar de sangrar. Ele também sangrou. E sabe o quanto doeu. Então ele não pode se calar. Nós, os filhos todos do tal de Zé, aqueles que ele gerou, aqueles que ele criou, aqueles que ele educou, aqueles que ele ensinou a ver e a enxergar, pedimos: por favor, tirem nosso pai da terceira margem.





Referência Bibliográfica:
(1) Barreto, Margarita, Manual de iniciação ao estudo do turismo, Papirus Editora, Campinas, SP, 1995, pág. 122.
(2) Citado em Percepção Ambiental e Comportamental, Okamoto, Jun, Ipsis Gráfica e Ed. S/A, 2a. ed., SP, 1996 Barreto, pág. 39
(3) Pardé, Maurice – Fleuves et rivières, cit. ‘in’ História do Rio Tietê, Mello Nóbrega,
(4) Margarita, op.citada, pág. 50.
(5) de Morais, José Luiz, A arqueologia e o Turismo, ‘in’ Turismo e Patrimônio Cultural, organização Pedro Paulo Funari, Jaime Pinsky, São Paulo, Contexto, 2001, pág.99.
(6) Barreto, Margarita, op.citada, pág. 50.
(7) de Gourmont, Rémy – Promenades philosophiques, cit por Okamoto, Jun, op.citada, pág.10 e 11.
(8) Ericson, Jon, Nosso planeta está morrendo: a extinção das espécies, São Paulo, Makron, McGraww-Hill, 1992, pág. 209.
(9) Ericson, Jon, op. citada, pág. 186.
(10) Sewell, Grandville Hardwick, Administração e controle da qualidade ambiental, São Paulo: EPU; Ed. da Universidade de São Paulo: CETESB, 1978, pág. 80.
(11) White, Gilbert F. (ed.) Water, Healt and Society: Select Papers of Abel Wolman: Bloomington, Ind.: Indiana Universsity Press, 1969.
(12)Sewell, Grandville Hardwik, op. citada, pág. 287.
(13) Rodrigues, Adyr Balastreri, Turismo e espaço: rumo a um conhecimento transdisciplinar, Editora Hucitec, São Paulo, 2001, págs. 99 e 100.
(14) Carta do Cacique Seatle, da nação Duwamish, da América do norte, dirigida em 1855 a Franklin Pierce, presidente dos EUA. Traduzida por Irina O. Bunning. Citada em Novas Palavras, literatura, gramática, redação e leitura. Ricardo Leite /et al/, São Paulo, FTD, 1997, pág.275.

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